É do conhecimento geral que o estudo dos autores clássicos tem uma grande relevância na formação de várias camadas da população, especialmente nos países que lograram superar o estágio de subdesenvolvimento e avançaram para sociedades bem estruturadas. No entanto, tal visão humanizadora da importância da literatura na formação da sensibilidade e desenvolvimento do caráter esbarrou não raras vezes em obstáculos à sua aceitação como prática fundamental do processo da formação intelectual. A visão utilitarista do século XX pouco afeita à reflexão e refém da ideologia do individualismo e do sucesso a qualquer preço reduziu o cultivo das Humanidades a bolhas restritas de privilegiados que podiam cultivar o ócio intelectual. Não obstante a conjuntura desfavorável, muitos mestres e educadores defenderam o ponto de vista de que a educação literária é a base de toda a educação, tudo o mais se faz em cima deste alicerce, pois dela derivam sentimentos nobres que a vida competitiva e cinzenta do cotidiano não proporciona. Conforme escreveu Italo Calvino em seu famoso ensaio Por que ler os clássicos, “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. E Goethe, já no século XIX, asseverou que a decadência da literatura expressava a decadência da cultura.
Neste contexto, a leitura dos clássicos é o caminho reto para o mundo da intelecção que nos descortina uma vida luminosa, em que imperam a fantasia, a beleza das formas, o desabrochar de sentimentos nobres. Adentramos o universo de grandes talentos, que esculpiram em linguagem primorosa o mundo inteligível das formas elegantes, de sentimentos que elevam o espírito ao zênite do gozo estético ou o fazem descer ao inferno do sofrimento para purgá-lo das paixões. A leitura dos clássicos transborda em riqueza, pois propicia aprofundar-nos em culturas e épocas históricas, conhecermos uma geografia de paisagens surreais, vivenciarmos idiossincrasias de grupos humanos desconhecidos, além de aprimorar nossa linguagem e incentivar o aperfeiçoamento de nossa própria escrita.
É quando surge em nosso horizonte mental o talento irresistível de Shakespeare, Balzac, Cervantes, Dante, Platão, Goethe, Molière, Camões, e o dos nossos Machado de Assis, Drummond, Euclides da Cunha, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, para citar só os mais conhecidos. O panteão dos gênios literários que legaram à humanidade obras de beleza imperecível é rico e brilhante, só comparável ao dos titãs da ciência e da filosofia, uma raça de espíritos iluminados que os deuses agraciaram com o logos para permitir aos humanos a longa e sofrida caminhada rumo ao processo civilizatório.
Embora sendo aspiração de todo homem quando desperta para o anseio de compreender o mundo à sua volta e as manifestações de espírito que lhe são próprias, é frequente em certos estamentos sociais, todavia, a resistência em reconhecer a importância de ler os clássicos, seja devido à abordagem de temas pretéritos, seja por retratarem personagens históricos distantes da realidade atual numa escrita considerada arcaica e de difícil compreensão. A leitura, admitamos, é uma atividade que demanda tempo e concentração, portanto, exige isolar-se do burburinho cotidiano para entregar-se ao deleite da imaginação e da fantasia. Bem observou Goethe: “O talento se educa no silêncio e o caráter na tempestade”. Muitos não querem, alguns não podem, outros não dispõem de uma orientação clara por onde começar. Emile Faguet diz que, na hierarquia literária, cabe a Homero o primeiro posto, pois quem não leu a Ilíada e a Odisseia nada leu. A declaração do doutor em letras e mestre da Sorbonne é plenamente justificada, especialmente por tratar-se de avaliação de insigne admirador dos livros e estudioso da literatura francesa. De fato, o estudo dos clássicos foi o esteio da civilização europeia rumo ao progresso científico e tecnológico, permitindo que países como França, Alemanha, Itália, Inglaterra, Rússia, Espanha, Portugal se tornassem referência mundial e modelos para outros escritores. Por conseguinte, o argumento que apresenta a leitura dosclássicos como atividade supérflua e inútil em nosso tempo cai por terra em face do significativo aperfeiçoamento intelectual que proporcionou a vários povos.
Autores há cuja amplitude da obra inspira-nos não apenas a leitura, mas o desejo de que sua contribuição à arte possa também ser conhecida por outras pessoas. Este é o caso de Johann Wolfgang Von Goethe, um dos maiores poetas de todos os tempos, um cânone da cultura Ocidental. Embora tenha estudado Direito por influência do pai, a grande paixão de Goethe sempre foi a literatura. Porém ele se destacou também em várias outras áreas, como filósofo, estadista, cientista, desenhista, autor dramático e teórico de arte. Aos 25 anos Goethe escreveu o magnífico Os Sofrimentos do Jovem Werther, dizem inspirado em seu amor não correspondido pela noiva de um amigo. Com este livro, Goethe alcançou fama internacional, embora a obra viesse a provocar uma onda de suicídio entre os adolescentes que imitavam a personagem-título. Sua obra prima, porém, foi Fausto, cuja segunda e última parte só foi publicada em 1833, quando Goethe já tinha mais de 80 anos. Trata-se de um poema trágico que fala sobre o amor como salvação para todos os males. Ambientado na Alemanha do ano de 1500, seu protagonista, Heinrich Faust, tem tanta sede de saber que até um pacto com o demônio ele faz em busca de mais conhecimento. São notáveis igualmente as contribuições de Goethe no campo da mineralogia, botânica e física, o que o torna um dos grandes gênios enciclopédicos da Europa oitocentista. Castro Alves, poeta maior do Abolicionismo, foi seu leitor e chegou a citá-lo nominalmente em seu poema O livro e a América. No poema Deusa Incruenta, dedicado à imprensa, também é mencionado o nome de Goethe.
Neste contexto, leitores interessados na divulgação de sua obra fundaram em Salvador a Associação Goethe da Bahia, uma instituição de caráter cultural, sem fins lucrativos e de natureza privada, cujo início das atividades está programado para o próximo mês de março. Sua pauta inclui palestras, mostra de filmes, leituras dramáticas, exposição e cursos de língua alemã. Estudantes, professores e pessoas de sensibilidade poderão doravante dedicar-se à fruição do pensamento de Goethe em eventos com renomados especialistas. A Bahia destaca-se como segundo Estado do Brasil a possuir um núcleo de estudos do pensamento de Goethe, só precedido por São Paulo.
Para mais informações, aqui estão os contatos da AGB: www.goethebahia.com, alvasa47@gmail.com ou pelo celular (71) 987153872.
Álvaro Almeida é administrador cultural, tradutor e presidente da Associação Goethe da Bahia.